Os 201 anos da imigração alemã no Rio Grande do Sul e o Dia do Colono
Há 201 anos, no dia 25 de julho de 1824 chegava à Feitoria do Linho-Cânhamo, em breve Colônia de São Leopoldo, a primeira leva de colonos vindos das terras germânicas. Naqueles primeiros anos, somente entre 1824 e 1830, vieram mais de 10 mil imigrantes para o Brasil, contabilizando colonos, militares e artesãos, além de muitos “indesejáveis”. Destes 10 mil, o Rio Grande do Sul recebeu quase a metade desta leva neste período, cerca de 4.830 pessoas. Neste especial sobre a imigração vamos viajar no tempo e trazer um pouco mais de informações sobre este marco tão importante para a história do Rio Grande do Sul.
Ao mesmo tempo temos a escolha do dia 25 de julho como Dia do Colono, ocorrida em 1924, durante as comemorações do centenário da imigração alemã no Rio Grande do Sul. A data simboliza a chegada do primeiro grupo de imigrantes à região onde se formou a cidade de São Leopoldo, marco inicial da colonização organizada no estado. Ao longo das décadas, o Dia do Colono passou a homenagear não apenas os pioneiros alemães, mas todos os agricultores que, com seu trabalho, ajudaram a construir a identidade e a prosperidade do meio rural gaúcho.
É importante destacar que naquele período de imigração, não existia um país chamado Alemanha, e sim um território dividido em pequenos reinos e feudos, algo que viria a mudar em 1871, quando a unificação alemã foi completada por Otto von Bismarck e Wilhelm I, este último coroado como o primeiro “Kaiser” da Alemanha. Ou seja, ao nos depararmos com o termo “imigração alemã”, estamos nos referindo à imigração de povos de língua alemã, já que uma Alemanha como país unificado só viria a se concretizar décadas depois deste período inicial de imigração.
Também é fundamental citar que, antes de 1824, o Brasil já havia recebido imigrantes de povos de língua alemã, assentados em diversas regiões. Algumas delas foram citadas por Dreher em “Primeiros imigrantes alemães no campo”: “Antes do empreendimento de von Schaeffer havia sido instalada, em 1818, com o concurso de imigrantes suíços do cantão de Friburgo na Fazenda do Morro Queimado no distrito de Cantagalo, no Rio de Janeiro, o que hoje é Nova Friburgo. Neste mesmo ano, na Capitania da Bahia, às margens do Peruípe, no Distrito de Vila Viçosa, por iniciativa do empreendedor Freyreiss, foi instalada a colônia “Leopoldina”.
Falar sobre o que motivou a vinda de tantos imigrantes é um assunto complexo e recheado de particularidades. Basicamente, estas pessoas estavam em busca de melhores condições de vida, fugindo de uma Europa devastada por Napoleão nas décadas anteriores (1800-1810), cujas consequências seriam duradouras, aliada à pobreza extrema e a falta de terras e trabalho. De acordo com Weissheimer, com o fim das guerras napoleônicas em 1815, embora a Alemanha e a Europa respirassem aliviadas, a situação permaneceu difícil tanto nas cidades quanto no campo. No campo, o minifúndio e a contínua exploração das terras tornaram-nas pouco produtivas, e a estrutura feudal de trabalho ainda prevalecia. Os camponeses, sem emprego nas cidades devido à falta de qualificação para as novas profissões criadas pela indústria manufatureira, não tinham para onde ir. Além disso, nas cidades, a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no século anterior, desvalorizou o trabalho dos artesãos, como alfaiates, tecelões, ferreiros e carpinteiros. Com a introdução das máquinas, muitos se tornaram operários, trabalhando longas horas por baixos salários. Além disso, a vacinação em massa promovida por Napoleão acelerou o crescimento populacional, mas o mercado de trabalho não acompanhou esse aumento. Diante destes fatores, agricultores e artesãos viram na emigração a única solução viável.
Além da pobreza, outros fatores contribuíram para o interesse do Governo Imperial brasileiro em promover a imigração junto aos teutônicos. Segundo o historiador Paulo Gilberto Mossmann Sobrinho, “Julga-se a questão do branqueamento da população brasileira como o principal fator da imigração europeia para o Brasil. Porém, existem outros tantos que também são de fundamental importância para que ele ocorresse, por exemplo, a necessidade de soldados para o exército, ficando mais evidente essa realidade na Província do Rio Grande do Sul devido a seu aspecto de região fronteiriça e de constante combate contra os platinos”. Outra característica bem forte desta ligação está na pessoa da Imperatriz Leopoldina, que teve um grande papel nesta história: “A preferência da vinda de alemães para o Brasil está estreitamente ligada ao fato de o Imperador brasileiro, Dom Pedro I, ser casado com a Imperatriz Leopoldina Carolina Josefa, filha de Francisco II, Imperador do Sacro Império Romano e Imperador da Áustria (intitulado de Francisco I). A Imperatriz brasileira, de origem germânica, fora a grande incentivadora para vinda dos alemães ao país”.
Por outro lado, enquanto o Brasil trabalhava para trazer estes colonos, os Estados germânicos estavam divididos. Hunsche observou que “não existia uma igualdade de opiniões entre os Estados alemães em relação à emigração para o Brasil e, menos ainda, existia uma política nacional uniforme frente a este problema. Não interessava, por conseguinte, o país de destino. A emigração era um problema totalmente de política interna. A emigração podia ser considerada favorável para o Estado como meio para diminuir a pressão demográfica mediante afastamento de indigentes, incapazes e marginais, e, por outro lado, podia ser considerada desfavorável para o Estado em virtude da perda de mão-de-obra, soldados e recursos econômicos”.
Os primeiros imigrantes trazidos pelo Governo brasileiro em direção ao Rio Grande do Sul, através do esforço do militar alemão Georg Anton von Schäffer, responsável por este processo, aportaram em Porto Alegre no dia 18 de julho de 1824. Seguindo as instruções recebidas, o Presidente da Província do Rio Grande do Sul, José Feliciano Fernandes Pinheiro, encaminhou-os para a Feitoria do Linho-Cânhamo, uma antiga feitoria na margem esquerda do Rio dos Sinos, aonde chegaram no dia 25 de julho. Esse primeiro núcleo de colonos alemães evoluiu para formar a primeira cidade de origem alemã no Estado, São Leopoldo. Em artigo recente, Dreher questionou: “Como sabido e propalado, os primeiros colonos de língua alemã chegaram à Real Feitoria do Linho Cânhamo em 25 de julho de 1824. No entanto, em 18 de agosto de 1824, o então Presidente da Província do Rio Grande do Sul, José Feliciano Fernandes Pinheiro, solicitou a D. Pedro I, através do ofício nº 4, de 18 de agosto de 1824, a graça de poder denominar o estabelecimento colonial de Colônia Alemã de São Leopoldo. Pedro I, por Portaria de 22 de setembro de 1824, concordou com a designação. Vamos celebrar 25 de julho ou 22 de setembro?”.
A Feitoria do Linho-Cânhamo, detalhou Weissheimer, “havia sido fundada em 1783 pelo vice-rei Dom Luiz de Vasconcellos e Souza e instalada inicialmente no sul do Estado no local então denominado de “Rincão do Caguçu”. Seu objetivo era plantar o linho-cânhamo, cientificamente conhecida por “canabis sativa” e que hoje e conhecida por “maconha”. Esta planta fornecia excelente fibra para a fabricação de cordas, cordoalhas e velas largamente empregadas na navegação da época”. Entretanto, as coisas não andavam muito produtivas para a feitoria, sendo extinta em 31 de março de 1824. “Devido a sucessivos déficits, creditados à baixa produtividade das terras, foi a Feitoria em 1788 transferida para as margens do Rio dos Sinos. Os resultados ali obtidos também não foram satisfatórios”, explicou Weissheimer em um texto muito interessante intitulado “Imigração Alemã Ao Brasil”, disponível no site Luther Memorial.
Sobra a data oficial da chegada, há controvérsias. Em elaborada pesquisa, Hunsche chegou à conclusão que a data correta teria sido o dia 22 ou 23 de julho, em razão de documentação do Presidente da Província informar a chegada no dia 23: “Os primeiros imigrantes alemães chegaram ao passo da antiga Real Feitoria do Linho Cânhamo não no dia 25 de julho de 1824, como se tem acreditado até agora, mas sim, em data anterior; pois, quando o presidente da província, no seu famoso ofício de 23 de julho de 1824, comunica ao Rio de Janeiro a chegada a Porto Alegre do bergantim Protector, avisa simultaneamente que, neste mesmo dia 23 de julho, os colonos já tinham partido para a Fazenda do Linho Cânhamo; como a viagem, em lanchas e Lanchões, de Porto Alegre até o passo não demorava mais de um dia (normalmente eram seis horas), os colonos devem ter chegado ao seu destino na mesma data de 23 ou, se tiverem partido no dia anterior (plenamente possível dentro da formulação do presidente), já em 22, mas de modo algum, chegaram em 25 de julho”.
Independente da data, Hunsche mostrou-se favorável em continuar as comemorações no dia 25: “Não devemos tentar salvar uma data ou forçar uma cifra, por mais queridas que nos sejam. A pesquisa só pode ter uma finalidade: a de procurar e encontrar a verdade. Contudo, opinamos que, por razões de consciência e de costume, devemos continuar a comemorar, como tem sido até agora, a data de 25 de julho como sendo o dia da chegada dos primeiros alemães a São Leopoldo, mesmo sabendo que chegaram um pouco antes”.
A descrição da chegada destes imigrantes no antigo Porto das Telhas (atual Praça do Imigrante em São Leopoldo), conforme o site da Família Dienstmann, com texto de Telmo Lauro Müller. não poderia ter sido mais bem imaginada: “É fácil imaginar a viagem rio acima. Uma vegetação luxuriante, com árvores enormes e flores em profusão; muitos animais povoando as margens: jacarés, capivaras, ratões do banhado, fuinhas e, sem dúvida, alguma cobra deitada preguiçosamente sobre um tronco caído na água. No céu, bandos de aves a fazerem seu balé ao vivo e em cores; garças, biguás, um mundo de pássaros coloridos. Numa palavra: um encanto! Um mundo novo à espera de quem fizera uma viagem de 12 mil quilômetros em busca de uma nova pátria”.
Estes foram os primeiros imigrantes a chegar no Porto das Telhas, totalizando 39 pessoas, listados por Johann Daniel Hillebrand já com os nomes “aportuguesados”:
Miguel Krämer e esposa Margarida; católicos.
João Frederico Höpper, esposa Anna Margarida, filhos Anna Maria, Christóvão e João Ludovico; evangélicos. João Ludovico teria nascido em alto mar.
Paulo Hammel, esposa Maria Teresa, filhos Carlos e Antônio; católicos.
João Henrique Otto Pfingsten, esposa Catarina, filhos Carolina, Dorothea, Frederico, Catarina e Maria; evangélicos.
João Christiano Rust, esposa Joana Margarida, filhas Joana e Luiza; evangélicos.
Henrique Timm, esposa Margarida Ana, filhos João Henrique, Ana Catarina, Catarina Margarida, Jorge e Jacob; evangélicos.
Augusto Timm, esposa Catarina, filhos Christóvão e João; evangélicos.
Gaspar Henrique Bentzen, cuja esposa morreu na viagem; um parente, Frederico Gross e o filho João Henrique; evangélicos.
João Henrique Jaacks, esposa Catarina, filhos João Henrique e João Joaquim; evangélicos.
Esta primeira leva embarcou no veleiro Anna Louise em Hamburgo no dia 24 de março de 1824, chegando no porto do Rio de Janeiro em 4 de junho de 1824. A bordo estavam 326 pessoas, incluindo soldados, colonos e reclusos, 39 destes com destino ao nosso Estado. Havia 27 reclusos no navio, cinco deles com o mesmo destino dos colonos. Estes reclusos foram despachados para São João das Missões. O navio tinha como capitão Johann Heinrich Knaack e o comandante do transporte era Joseph von Kettler. Uma curiosidade: durante a viagem houve a morte de uma mulher e o nascimento de uma criança, equilibrando assim os 39 da contagem geral que chegaram ao território gaúcho.
Do Rio de Janeiro para o Rio Grande do Sul vieram a bordo do bergantim São Joaquim Protector, uma embarcação costeira. De acordo com Hunsche o bergantim foi “o primeiro e, simultaneamente, o último dos barcos costeiros que durante o biênio 1824/1825 trouxe imigrantes alemães a Porto Alegre. Os passageiros do primeiro embarque, em julho de 1824, foram recebidos com muita festa, os passageiros do segundo embarque, em dezembro de 1825, com muita cautela, por tratar-se, em grande parte, de delinquentes”.
Créditos das fotos:
Chegada da primeira leva de imigrantes a São Leopoldo, via rio dos Sinos, 25 de julho de 1824. Tela de Ernst Zeuner, acervo MHVSL – Museu Histórico Visconde de São Leopoldo.
Feitoria do Linho-Cânhamo – Museu Histórico Visconde de São Leopoldo.
Fontes:
DIENSTMANN, Família. Primeira leva de imigrantes alemães. Disponível em: https://familia.dienstmann.com.br/primeira-leva-imigrantes-alemaes. Acesso em: 08 jul. 2024.
ENGELMANN, Erni Guilherme. A saga dos alemães – do Hunsrück para Santa Maria do Mundo Novo. Igrejinha: E. G. Engelmann, 2004.
FEY, Ademar Felipe. Imigração Alemã no Brasil: Navios e Passageiros Anos 1824 a 1830 – 6º Edição – Caxias do Sul, Ademar Felipe Fey, 2023.
HUNSCHE, Carlos H. O biênio 1824/25 da Imigração Alemã e Colonização no Rio Grande do Sul – Província de São Pedro. Porto Alegre: Nação, 1975.
HUNSCHE, Carlos H. O ano 1826 da imigração e colonização alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Metropole, 1977.
MOSSMANN SOBRINHO, P. G. A Presença Teuta no Rio Grande Sul do Século XIX: Um lacônico estudo sobre as consequências econômicas, sociais e culturais. Semina. Ciências Sociais e Humanas (Online), 2014.
PETRY, L. São Leopoldo – Berço da Colonização Alemã do Rio Grande Sul. São Leopoldo, Rotermund, 1964.
ROSA, Gilson Justino da. Imigrantes Alemães, 1824-1853. Porto Alegre: EST, 2005.
LUTHER MEMORIAL. Imigração II. Disponível em: http://www.mluther.org.br/imigracao/imigracao_ii.htm. Acesso em: 17 julho 2024.
BRASIL ALEMANHA. Primeiros imigrantes alemães no campo. Disponível em: http://brasil-alemanha.com/capitulo/19sec/Primeiros-imigrantes-alemaes-no-campo.php. Acesso em: 10 jul. 2024.
DREHER, Martin. Os 200 anos das migrações em São Leopoldo (RS): O que vamos comemorar em 2024. Instituto Humanitas Unisinos. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/638363-os-200-anos-das-migracoes-em-sao-leopoldo-rs-o-que-vamos-comemorar-em-2024-artigo-de-martin-dreher. Acesso em: 22 jul. 2024.
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